Saturday, February 26, 2005

"Amar eficazmente a alguém é recusar-se a aceitar a sua caricatura. Rasgar todas as máscaras é a condição para que apareça a verdadeira face humana, no esplendor de sua verdade."

Todos nós temos a nossa própria máscara. Que é, indubitavelmente, mais ou menos transparente, consoante mais ou menos nos revelamos àqueles que nos rodeiam, que connosco partilham a crueldade desta vida que, teimosamente, insistimos em gozar. Amar surge, então, como o tentar do rasgar da máscara, e como o deixar que no-la rasguem.
A questão forte e avassaladora surge nesse momento: quando a máscara cai. Se transparente, o sentimento intensifica-se, a confiança prolifera, o bem-estar da pessoa que amamos necessariamente decorre dela e do estar com ela. Mas se translúcida ou totalmente opaca, são o desalento, a decepção, a angústia, a humilhação e o desprezo os emergentes ao cair o pano da peça, porque a vida mais não foi que representada.
Rasgar a máscara do outro implica consciência relativamente à própria, noção do quão frágil a mais bela e coesa representação é, quando nos expomos de tal modo. Porque, para rasgar a máscara do outro, temos de abrir uma fresta na nossa, para que a comunhão de almas seja tal que nos seja possível e permitido rasgar essa máscara. Amar, então ser verdadeiramente, sentir independentemente do outro mas, contudo, sentir o e pelo outro! Amar, ter a coragem de, antes que o outro rasgue a nossa máscara, a tirar na sua frente, revelar o íntimo do nosso ser, deixar que o outro o conheça, o percorra, o sinta como familiar.
Amar não é acto único, mas a reciprocidade na interpenetração das almas e na interrelação das inteligências. Onde a presença, a co-existência da confiança e da ousadia é pressuposta, não se admite, sequer, a negação do tocar a máscara, do esfaqueá-la, fazê-la e deixá-la cair. Por muito transparente que ela seja, por muito que à realidade se assemelhe.
Todo o ser se torna ambíguo, ainda que recto no seu viver. Se ao conhecido nada revelamos, é muitas vezes ao desconhecido que expomos as verdades, de uma forma subtil ou nem tanto. Ao ser que amamos e que nos ama, a nossa faceta de humano apresenta-se como algo de merecedor desse nosso amor, enquanto que a vertente de pensador e de amante a algo místico e fascinante se assemelha, fazendo-o querer rasgar a nossa máscara, querer ir mais e mais além, mais e mais profundamente, ao encontro da nossa essência.
Amar e ser amado, conceitos inseparáveis e necessários um do outro. Os dois pontos que unem e dão sentido à vida. Os utensílios que rasgam, destroem ou puramente a máscara de cada um ultrapassam. Amar não é ser transparente, inequívoco, conhecido; amar é permitir a comunhão do íntimo do ser, instigando o outro a descobri-lo, a desvendar o seu.
Amar é mais do nos revelarmos e deixar cair a máscara: é entregá-la, fazendo sentir a quem amamos que está seguro connosco porque, tal como ele, verdadeiros nos apresentamos.