Saturday, December 16, 2006





















Saudades.

Desse sorriso, cruel de tão verdadeiro
Que aos olhos se estende
Num brilho ímpar de azul matreiro.
Desse teu abraço, infinito e embalador
Onde perdida me encontras
Buscando, cinzenta, um pouco da tua cor.
Da confiança em estares sempre aí,
Certeza perdida
Aquando da última vez que te vi.

É amarga a lembrança como o chocolate que se come por prazer,
Intemporal como fugaz o momento que a fez nascer.
Porque tudo será mentira se alguma vez esquecer,

Um dia, fechei os olhos e adormeci,
Não querendo saber de nada mais,
Senão de ti.

Wednesday, December 13, 2006






















Choro convulsivamente, enquanto olho as mãos sujas pingando o soalho. Agonia-me o sangue que tento engolir, quase me esquecendo do que livremente abandona o meu corpo.

Não sei porque o faço. Há muito que me não doem as feridas que, uma e outra vez, a mim mesma inflijo. Que me desfiguram e perturbam a solidão em que vivo. Que todos os dias me lembram quão pouco valho e quão dependente delas sou. Afinal, esta pele hedionda está comigo desde sempre, assim como as unhas com que carinhosamente me dilacero. A minha inútil e desinteressante história resume-se a um monte de marcas e cicatrizes, aleatoriamente acompanhadas por consideráveis feridas ensanguentadas de fresco. Incontáveis vezes prometi a mim mesma ser capaz de com isto acabar. Incontáveis vezes mais uma me traíram as minhas mão e me chocaram os olhos, testemunhando o redundante fracasso de tamanha utopia. O humilhante pedido de ajuda há muito que pereceu contra o constante escárnio dos espelhos, e a normalidade é algo com que não me atrevo a sonhar.

Fraca, um frangalho de existência dispensável e repulsivo. Mais do que qualquer ferida, ser como sou dói.

Thursday, November 02, 2006



























Lá fora, a chuva mistura-se com a noite numa estranha e aduladora canção de embalar, ocasionalmente entrecortada pelo agreste vento norte, que hoje quase derruba a árvore do jardim. Ouço as ramadas vergarem num silencioso resmungo de conformação, enquanto dançam aleatoriamente contra o negrume apinhado de robustas e disformes nuvens, pez flutuante de tão densas, cortinas cerradas sobre a minha janela.

Esta noite, as estrelas estão recolhidas, e não as verei brilhar.

Thursday, September 21, 2006



























1: Madrugada. Um par de horas depois de ter adormecido.

Estava frio, não obstante o reconfortante calor emanado pela minha irmã, por quem Morpheu certamente zelava. O vento, uivando violentamente, fê-lo esquecer-se de mim, e acordei. Demasiadamente cansada para me levantar sequer, deixei-me ficar na cama, de pálpebras cerradas, escutando a fúria de Éolo ressoando no mais pueril dos silêncios.
Embalada por um e ouvindo canções ciciadas ao ouvido pelo outro, em breve a preocupação com Kronos deu lugar ao subtil sentir, não infundado, do aproximar de algo, de uma mudança, há muito desejada. Que de subtil sentir passou a insistente dúvida, a teimosa afirmação, a vincada obstinação.
Por momentos, quando o desejo se misturava já febrilmente com a realidade, julgo ser enganada pelos meus sentidos… Mas, não. Não tinha ainda adormecido, teria de ser verdade. Poucos segundos de respiração contida e todos os meus poros em ouvidos delegados confirmam-no. Sinto, então, percorrer-me o delicioso arrepio que a chuva me provoca ao aumentar de intensidade. Sinto invadir-me a nostalgia trazida por cada gota de chuva, sempre acompanhadas de algo que se assemelha a felicidade.
Paralisada no êxtase de sentir a chuva na minha pele, de novo vislumbrei a doce presença de Morpheu. Abracei a minha irmã, e de novo adormeci.



2: Entre a Manhã e a Tarde. Algures.

Sentada, num local público. Que poderia igualmente estar deserto. Porque a presença dos outros é irrelevante. Conversas triviais mantidas com desconhecidos, pequenas frases, escassas palavras, o dar de uma informação apenas. Era como lá não estar, como apenas para a realidade acordar quando se deambula pelo sonho. Talvez estivesse só, afinal.
Chegaste entretanto. Casaco molhado pela chuva, como quase todos nesse dia. Pediste licença para te sentares no banco. Apercebi-me de que estava molhado, e respondi que não. Para meu espanto, detiveste-te, surpreso. Apressei-me a explicar, e movi-me para que pudesses sentar-te. Entabulámos conversa. Não nos víamos há já algum tempo, falámos de nadas. Notei-te cansado, um toque de tristeza na voz. Reprimi a curiosidade.
Uma mulher veio sentar-se na ponta livre do banco, pouco se importando se ficávamos apertados. Não obstante, ainda pediu para nos chegarmos para o indefinido lá. Acedi, suportando a tentação de lhe retribuir a educação e a simpatia. Mas tu, com os cotovelos apoiados nos joelhos, não lhe ligaste, muito menos te moveste. Comecei a ler A Cinza do Tempo. Duas crónicas depois, recostaste-te, e tocaste o meu braço com o teu. Fortuitos eram os olhares que à mancha gráfica ias lançando, acompanhavas mesmo o ritmado desfolhar. Perguntava-me se estarias interessado em ler, tinha-lo feito à capa. Mas nada disseste.



3: Kronos. A despedida.

A tradicional voz cavernosa ressoou pelas velhas paredes do edifício, anunciando o almejado horizonte casa. Levantei-me pensando que ficavas, afinal ias também. Uma vez mais, os teus modos foliões revelaram contigo já não coabitar. Do teu sorriso escancarado, do residente brilho dos teus olhos, das quási-cómicas posições que sempre adoptavas ao falar, saudades. Tomaras a melancolia por nova companheira.
Sentámo-nos longe. Apesar de apenas cair lá fora, de cabeça encostada ao vidro podia senti-la ali, ao meu lado, qual almofada a que Morpheu irrecusavelmente nos convida. Chuva, inevitável chuva. Berma, tantas vezes percorrida, foste de novo o alvo do meu fitar.
Parámos, levantaste-te, saíste. Incomodado pelo aguaceiro que persisitia, logo te resignaste a um potencial resfriado. Saindo do torpor pelos familiares solavancos causado, vi-te. Olhaste para mim, com os lábios sorriste, e murmuraste um tchau que consegui ouvir sem dificuldades. Repeti o gesto, e uma onda de alva espuma rebentou na praia quando vi, meigos e ternos, os olhos mais bonitos do mundo a sorrir também.


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* Today, you made me happy with your smile, so beautiful and kind, so beautiful and kind…

Sunday, May 07, 2006


















A ti, Mãe…
Que com amor aguardaste minha chegada ao mundo,
Imaginando como seria o meu rosto,
As minhas pequenas mãos,
De que forma sorriria eu quando mo ensinasses.
Que pacientemente me embalaste
Quando eu chorei,
E ternamente me felicitaste
Pela primeira gargalhada que dei.
Que me tens acompanhado ao longo da minha vida,
Mostrando-me que desistir não é opção,
Que a tudo vale a pena
Dispensar um pouco do nosso coração.
A ti, Mãe,
Que sei que me amas sem reservas
E que, carinhosamente, conservas
Recordações da minha meninice
De que não me consigo lembrar,
Mas que não deixas morrer.
A ti, Mãe,
Que estiveste e estarás sempre ao meu lado
Eu te digo hoje “obrigado,
Nunca deixarei de te amar.”