Sunday, June 19, 2011



















Engulo a café um analgésico banal, o terceiro que não será o último. Os primeiros passos de um novo vício. Da varanda, o horizonte condicionado hospeda hoje dois espectáculos de luz. Sei, ainda antes de lhes prestar atenção, qual prefiro. Rebenta quase mudo, num interessante jogo de formas e brilhos, o fogo-de-artifício de mais uma prova do concurso. A menos de um par de quilómetros, destaca-se simples contra o negrume do céu enquanto finge desvanecer-se nevando sobre os telhados das habitações. Não é esse. À esquerda, a uma distância que não me aborreço a calcular, sabe-se ainda um pouco da claridade do poente tardio perdendo fôlego e terreno para as nuvens que exigem o anoitecer. São cúmulos de trovoada, de rebordos irregulares mas, definidos, criando nichos profundos na sua maciez. Permite o findar do ocaso reparar nos volumes sem, contudo, abafar o que verdadeiramente me prende. As descargas. Acontecerão certamente muito longe, para cima, para lá, pois são, como o seu rival, silenciosas. Todavia, mais que compensa a ausência de ribombares a intensidade dos clarões. Propagam-se, como esperado, celeríssimos por entre as massas, arrítmicos e desorganizados, aleatórios e dissemelhantes. Quando o fazem. Deste poleiro de sexto andar, supera a exacerbância da electricidade a humilde opacidade das nuvens, tornando o costumeiro deleite impressionado num assombro respeitoso. Pois é naqueles covis que se expressa toda esta força. Reduzidos a meros halos difusos, que apenas ocasionalmente se revelam, num ápice, para logo se acalmarem, não posso evitar pensar que ali se encontra a génese de muito mais enquanto me rendo transfixiada a mais um grito dos céus. O café por beber ficou e a cefaleia, com ele, esquecida no parapeito.

Julho 2009