Saturday, July 07, 2007



























Entangueço, e sei-te iminente sem estares.
Adocicado, frutado, inebriante;
Outono de aguaceiros ferozes cravados na nossa pele.
Sentidos que despertam do torpor da consciência e clamam por ti.
Porque te denuncias inocente na indolente
brisa que me acaricia o rosto e promíscua
me envolve em ti.
Murmúrios… de intrépidos lábios selados
de errantes mãos e venturosas conquistas
de atritos menores mas indubitável resolução
de irracional desgarrada e compassos pulsantes
de mútuo êxtase e ofegante repetição.
Desse teu odor em que voluntariamente
me viciei.
Porque a brisa o transporta entangueço,
E sei-te iminente sem estares.

Saturday, May 26, 2007



























Mudas, imutáveis, brancas; sempre brancas.
Ângulo giro e recorrente de cegueira, alva.
Espaço inóspito, indiscretos quadrantes, candura
Quase.
Duas braças de ar, a cruz do movimento.
Brancas, sempre brancas,
Elas que cuidam, segurança, contra
Quê.
Paredes que rodeiam, estrangulam, confinam,
Brancas, sempre brancas, a mim e a janela
Nenhuma.

Wednesday, May 16, 2007



























Time won’t be wasted, just a look of disgust
Is all they allow to those rags covered with dust.

Pace then gets quicker and eyes look away
But she is still there, yet another shadow of grey.

Her strings are down and she cannot stand,
So she keeps staring at the sky, looking for his hand.

Eyes wide open despite the rain:
She does believe she’ll be with him again.

A figure approaches and stops somewhat near,
His face all helpless pain, regret and fear.

Heart might be aching with tears she won’t shed
But mind is slowly fading, and senses are thus dead.

So when I pick her up and look into her eyes
I can now only see sorrow and a will full of goodbyes.

In the middle of rain, there’s a painful cry I can hear
And suddenly I realize twilight has also come
To Mr. Puppeteer.

Tuesday, April 03, 2007




















Há muito, muito tempo, vivia uma menina, lá para os lados da praia, que era assim parecida contigo: de mãos e pés pequeninos, cabeça redondinha, orelhas, nariz e sonhos grandes. Porque ela sonhava muito. Se calhar era porque dormia muito, diziam alguns, mas eu acho que era porque ela gostava muito de sonhar. Tanto, que nem se apercebia de que a vida dela não tinha nada que ver com esses sonhos. Lá neles, onde ela gostava de estar, a maré-cheia nunca vazava nem as gaivotas se calavam quando recolhiam a terra para se abrigarem de mais uma tempestade. E as pessoas ficavam também recolhidas em casa com medo dessa tempestade, e os barcos não saíam do porto, e só havia as gaivotas no pontão a fazerem barulho. Então, ela ia para lá, debaixo de chuva forte e fria como o vento que assobiava por entre os barcos e as ondas que se levantavam contra eles. Oh, ela não desejava que os barcos fossem despedaçados pelas vagas nem levados lá para longe, para o alto-mar onde ela gostava de estar, não. Mas gostava de os ver dançar na espuma que rebentava contra o paredão que protegia as casas e a lota, as cores garridas dos cascos flutuando de cabo laço e os mastros de velas recolhidas quase se tocando fustigados pelo vento. Ela achava bonito. Agachada contra uma parede qualquer, meia escondida dentro do oleado amarelo de pescador, lá ia afastando o cabelo molhado, sem caracóis e mais escuro de tão escorrido, da carita que entretanto ficava vermelha do frio que fazia. E, se as nuvens cobriam o céu e o tornavam cinzento quase noite, os olhitos dela não tardavam a fechar-se também embalados por todos aqueles barulhos próprios do mar e que só se escutam quando se sabe que ele não está zangado.

Mas, isso era só quando ela sonhava, porque geralmente não havia gaivotas a fazer barulho nem ondas cheias de espuma ou nuvens carregadas de chuva na praia onde ela vivia. Lá, só havia areia branca fina e palmeiras carregadas de cocos e pessoas que não eram dali quase sem roupa nenhuma vestida e que andavam sempre com óculos de sol. Lá, o mar era azul clarinho, quase doente, às vezes um bocadinho verde de tanto não se mexer. Os peixes eram pequeninos e não havia conchas partidas na areia, só búzios assim de tamanho médio em que os turistas fingiam conseguir ouvir o mar enquanto sorriam muito parvos para as namoradas. A menina desta história abanava a cabeça ao ver tudo isto, pensando para si mesma que as coisas calmas não tinham graça nenhuma, é um desperdício perderem-se tantas coisas bonitas neste sossego deprimente. Bem, ela não dizia deprimente, achava apenas que era triste aquele sol radioso e amarelo e quente ter debaixo dele tanta falta de movimento, de cheiros e barulhos, ter debaixo dele tanta falta de vida. E, então, vinham-lhe outra vez aos olhos as marés vivas e as nuvens altas e gordas que ela sabia carregadas de chuva, e ela desejava que o vento também se não demorasse muito e pudesse outra vez começar a chover. É que, perdida nestas suas ideias de menina sonhadora, ela virava solenemente as costas ao que meio mundo procura e abandonava-se sonhando que assim iria acordar.

Um dia, choveu lá onde ela vivia e ela sorriu, feliz, porque se beliscou e não estava a dormir.


___

– A tua história é muito triste.
– Porquê?
– Porque a menina gostava muito de uma coisa mas não a podia ter. Só podia sonhar com ela.
– E isso é mau?
– É. As pessoas só deviam sonhar com o que podem ter porque assim não andavam tristes por não poderem ter essas coisas.
– Talvez. Mas, diz-me, a que chamarias sonhar então?
– ...
– Então?
– Não sei.

Tuesday, February 27, 2007



























Indefinição. Papéis ao ar, diverte-te Bóreas. Tudo voa e eu gatinho impotente. Irritação.
Esta vontade de querer escrever mas não saber o quê, não uniformizar um como disperso numa torrente de fugazes ideias desmoralizantes do querer. Porque quero.

Mas não sei, não sei, não sei!

Pois tudo me soa vago e comum e perde o sentido se repenso a inquietação. Ficam apenas as métricas, órfãs de significado, esqueletos das palavras que escapam. E escorre indolente a areia da ampulheta sem que encontre.

A frase que não consegui.
A expressão pecadora da identidade.
O vocábulo despoletador do resto.
Qualquer coisa.
Quase desesperadamente qualquer coisa! Que na acalmia da imperfeição sei contudo não ser qualquer. Egoisticamente, que eu saiba minha e fale de mim. E que, falando, diga a exasperação de não saber o que dizer.

E que depois se cale e diga então que gostei.

Saturday, January 06, 2007

























Penso que naquela altura enviei, devidamente endossadas, todas as advertências para o monte de lixo mais próximo ao tirar do teu maço o único cigarro que contigo fumei. Misturando-se com o esparso nevoeiro de final de tarde, o fumo subia espiralando de mansinho, quase errático, dançando suavemente o principiar da estação. Nem o travo amargo que ia deixando dissimulava o quanto saboreei aquele momento. O silêncio que encontráramos assim permaneceu. Sagrado. Perdido na varanda com vista sobre a cidade. Que, genuinamente ruidosa na sua imperturbável agitação, não passa de um obituário de mudos desprezados por surdos e cegos, paralíticos na vã correria pela felicidade. Que é, orgulhosamente, mais evoluída que qualquer aldeia que exista ao seu lado, onde andam inequivocamente todos igualmente cansados e tresmalhados. Hipocrisias, de que tantos assustadoramente dependem. Nunca encaixámos nesse mundo de predeterminações asfixiantes. Oh, tentámos. E quantas vezes o resultado nos fez passar a barreira da angústia. Afinal, somos filhos da diferença. Por isso mesmo estávamos ali. Na nossa lucidez fomos loucos por defendê-la. O rei vai nu, sempre foi.

Foi na penumbra do beco que alucinei a saída, e a magnífica grade verde suportou o meu peso quando deixei tudo para trás. Flutuando na minha inconsciência, só queria poder voar ao teu encontro. Da tua despreocupação. Desse gesto de afastar que fazia os fantasmas correr. Não me deverias ter seguido.

Saturday, December 16, 2006





















Saudades.

Desse sorriso, cruel de tão verdadeiro
Que aos olhos se estende
Num brilho ímpar de azul matreiro.
Desse teu abraço, infinito e embalador
Onde perdida me encontras
Buscando, cinzenta, um pouco da tua cor.
Da confiança em estares sempre aí,
Certeza perdida
Aquando da última vez que te vi.

É amarga a lembrança como o chocolate que se come por prazer,
Intemporal como fugaz o momento que a fez nascer.
Porque tudo será mentira se alguma vez esquecer,

Um dia, fechei os olhos e adormeci,
Não querendo saber de nada mais,
Senão de ti.

Wednesday, December 13, 2006






















Choro convulsivamente, enquanto olho as mãos sujas pingando o soalho. Agonia-me o sangue que tento engolir, quase me esquecendo do que livremente abandona o meu corpo.

Não sei porque o faço. Há muito que me não doem as feridas que, uma e outra vez, a mim mesma inflijo. Que me desfiguram e perturbam a solidão em que vivo. Que todos os dias me lembram quão pouco valho e quão dependente delas sou. Afinal, esta pele hedionda está comigo desde sempre, assim como as unhas com que carinhosamente me dilacero. A minha inútil e desinteressante história resume-se a um monte de marcas e cicatrizes, aleatoriamente acompanhadas por consideráveis feridas ensanguentadas de fresco. Incontáveis vezes prometi a mim mesma ser capaz de com isto acabar. Incontáveis vezes mais uma me traíram as minhas mão e me chocaram os olhos, testemunhando o redundante fracasso de tamanha utopia. O humilhante pedido de ajuda há muito que pereceu contra o constante escárnio dos espelhos, e a normalidade é algo com que não me atrevo a sonhar.

Fraca, um frangalho de existência dispensável e repulsivo. Mais do que qualquer ferida, ser como sou dói.