Tuesday, February 27, 2007



























Indefinição. Papéis ao ar, diverte-te Bóreas. Tudo voa e eu gatinho impotente. Irritação.
Esta vontade de querer escrever mas não saber o quê, não uniformizar um como disperso numa torrente de fugazes ideias desmoralizantes do querer. Porque quero.

Mas não sei, não sei, não sei!

Pois tudo me soa vago e comum e perde o sentido se repenso a inquietação. Ficam apenas as métricas, órfãs de significado, esqueletos das palavras que escapam. E escorre indolente a areia da ampulheta sem que encontre.

A frase que não consegui.
A expressão pecadora da identidade.
O vocábulo despoletador do resto.
Qualquer coisa.
Quase desesperadamente qualquer coisa! Que na acalmia da imperfeição sei contudo não ser qualquer. Egoisticamente, que eu saiba minha e fale de mim. E que, falando, diga a exasperação de não saber o que dizer.

E que depois se cale e diga então que gostei.

Saturday, January 06, 2007

























Penso que naquela altura enviei, devidamente endossadas, todas as advertências para o monte de lixo mais próximo ao tirar do teu maço o único cigarro que contigo fumei. Misturando-se com o esparso nevoeiro de final de tarde, o fumo subia espiralando de mansinho, quase errático, dançando suavemente o principiar da estação. Nem o travo amargo que ia deixando dissimulava o quanto saboreei aquele momento. O silêncio que encontráramos assim permaneceu. Sagrado. Perdido na varanda com vista sobre a cidade. Que, genuinamente ruidosa na sua imperturbável agitação, não passa de um obituário de mudos desprezados por surdos e cegos, paralíticos na vã correria pela felicidade. Que é, orgulhosamente, mais evoluída que qualquer aldeia que exista ao seu lado, onde andam inequivocamente todos igualmente cansados e tresmalhados. Hipocrisias, de que tantos assustadoramente dependem. Nunca encaixámos nesse mundo de predeterminações asfixiantes. Oh, tentámos. E quantas vezes o resultado nos fez passar a barreira da angústia. Afinal, somos filhos da diferença. Por isso mesmo estávamos ali. Na nossa lucidez fomos loucos por defendê-la. O rei vai nu, sempre foi.

Foi na penumbra do beco que alucinei a saída, e a magnífica grade verde suportou o meu peso quando deixei tudo para trás. Flutuando na minha inconsciência, só queria poder voar ao teu encontro. Da tua despreocupação. Desse gesto de afastar que fazia os fantasmas correr. Não me deverias ter seguido.

Saturday, December 16, 2006





















Saudades.

Desse sorriso, cruel de tão verdadeiro
Que aos olhos se estende
Num brilho ímpar de azul matreiro.
Desse teu abraço, infinito e embalador
Onde perdida me encontras
Buscando, cinzenta, um pouco da tua cor.
Da confiança em estares sempre aí,
Certeza perdida
Aquando da última vez que te vi.

É amarga a lembrança como o chocolate que se come por prazer,
Intemporal como fugaz o momento que a fez nascer.
Porque tudo será mentira se alguma vez esquecer,

Um dia, fechei os olhos e adormeci,
Não querendo saber de nada mais,
Senão de ti.

Wednesday, December 13, 2006






















Choro convulsivamente, enquanto olho as mãos sujas pingando o soalho. Agonia-me o sangue que tento engolir, quase me esquecendo do que livremente abandona o meu corpo.

Não sei porque o faço. Há muito que me não doem as feridas que, uma e outra vez, a mim mesma inflijo. Que me desfiguram e perturbam a solidão em que vivo. Que todos os dias me lembram quão pouco valho e quão dependente delas sou. Afinal, esta pele hedionda está comigo desde sempre, assim como as unhas com que carinhosamente me dilacero. A minha inútil e desinteressante história resume-se a um monte de marcas e cicatrizes, aleatoriamente acompanhadas por consideráveis feridas ensanguentadas de fresco. Incontáveis vezes prometi a mim mesma ser capaz de com isto acabar. Incontáveis vezes mais uma me traíram as minhas mão e me chocaram os olhos, testemunhando o redundante fracasso de tamanha utopia. O humilhante pedido de ajuda há muito que pereceu contra o constante escárnio dos espelhos, e a normalidade é algo com que não me atrevo a sonhar.

Fraca, um frangalho de existência dispensável e repulsivo. Mais do que qualquer ferida, ser como sou dói.

Thursday, November 02, 2006



























Lá fora, a chuva mistura-se com a noite numa estranha e aduladora canção de embalar, ocasionalmente entrecortada pelo agreste vento norte, que hoje quase derruba a árvore do jardim. Ouço as ramadas vergarem num silencioso resmungo de conformação, enquanto dançam aleatoriamente contra o negrume apinhado de robustas e disformes nuvens, pez flutuante de tão densas, cortinas cerradas sobre a minha janela.

Esta noite, as estrelas estão recolhidas, e não as verei brilhar.

Thursday, September 21, 2006



























1: Madrugada. Um par de horas depois de ter adormecido.

Estava frio, não obstante o reconfortante calor emanado pela minha irmã, por quem Morpheu certamente zelava. O vento, uivando violentamente, fê-lo esquecer-se de mim, e acordei. Demasiadamente cansada para me levantar sequer, deixei-me ficar na cama, de pálpebras cerradas, escutando a fúria de Éolo ressoando no mais pueril dos silêncios.
Embalada por um e ouvindo canções ciciadas ao ouvido pelo outro, em breve a preocupação com Kronos deu lugar ao subtil sentir, não infundado, do aproximar de algo, de uma mudança, há muito desejada. Que de subtil sentir passou a insistente dúvida, a teimosa afirmação, a vincada obstinação.
Por momentos, quando o desejo se misturava já febrilmente com a realidade, julgo ser enganada pelos meus sentidos… Mas, não. Não tinha ainda adormecido, teria de ser verdade. Poucos segundos de respiração contida e todos os meus poros em ouvidos delegados confirmam-no. Sinto, então, percorrer-me o delicioso arrepio que a chuva me provoca ao aumentar de intensidade. Sinto invadir-me a nostalgia trazida por cada gota de chuva, sempre acompanhadas de algo que se assemelha a felicidade.
Paralisada no êxtase de sentir a chuva na minha pele, de novo vislumbrei a doce presença de Morpheu. Abracei a minha irmã, e de novo adormeci.



2: Entre a Manhã e a Tarde. Algures.

Sentada, num local público. Que poderia igualmente estar deserto. Porque a presença dos outros é irrelevante. Conversas triviais mantidas com desconhecidos, pequenas frases, escassas palavras, o dar de uma informação apenas. Era como lá não estar, como apenas para a realidade acordar quando se deambula pelo sonho. Talvez estivesse só, afinal.
Chegaste entretanto. Casaco molhado pela chuva, como quase todos nesse dia. Pediste licença para te sentares no banco. Apercebi-me de que estava molhado, e respondi que não. Para meu espanto, detiveste-te, surpreso. Apressei-me a explicar, e movi-me para que pudesses sentar-te. Entabulámos conversa. Não nos víamos há já algum tempo, falámos de nadas. Notei-te cansado, um toque de tristeza na voz. Reprimi a curiosidade.
Uma mulher veio sentar-se na ponta livre do banco, pouco se importando se ficávamos apertados. Não obstante, ainda pediu para nos chegarmos para o indefinido lá. Acedi, suportando a tentação de lhe retribuir a educação e a simpatia. Mas tu, com os cotovelos apoiados nos joelhos, não lhe ligaste, muito menos te moveste. Comecei a ler A Cinza do Tempo. Duas crónicas depois, recostaste-te, e tocaste o meu braço com o teu. Fortuitos eram os olhares que à mancha gráfica ias lançando, acompanhavas mesmo o ritmado desfolhar. Perguntava-me se estarias interessado em ler, tinha-lo feito à capa. Mas nada disseste.



3: Kronos. A despedida.

A tradicional voz cavernosa ressoou pelas velhas paredes do edifício, anunciando o almejado horizonte casa. Levantei-me pensando que ficavas, afinal ias também. Uma vez mais, os teus modos foliões revelaram contigo já não coabitar. Do teu sorriso escancarado, do residente brilho dos teus olhos, das quási-cómicas posições que sempre adoptavas ao falar, saudades. Tomaras a melancolia por nova companheira.
Sentámo-nos longe. Apesar de apenas cair lá fora, de cabeça encostada ao vidro podia senti-la ali, ao meu lado, qual almofada a que Morpheu irrecusavelmente nos convida. Chuva, inevitável chuva. Berma, tantas vezes percorrida, foste de novo o alvo do meu fitar.
Parámos, levantaste-te, saíste. Incomodado pelo aguaceiro que persisitia, logo te resignaste a um potencial resfriado. Saindo do torpor pelos familiares solavancos causado, vi-te. Olhaste para mim, com os lábios sorriste, e murmuraste um tchau que consegui ouvir sem dificuldades. Repeti o gesto, e uma onda de alva espuma rebentou na praia quando vi, meigos e ternos, os olhos mais bonitos do mundo a sorrir também.


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* Today, you made me happy with your smile, so beautiful and kind, so beautiful and kind…

Sunday, May 07, 2006


















A ti, Mãe…
Que com amor aguardaste minha chegada ao mundo,
Imaginando como seria o meu rosto,
As minhas pequenas mãos,
De que forma sorriria eu quando mo ensinasses.
Que pacientemente me embalaste
Quando eu chorei,
E ternamente me felicitaste
Pela primeira gargalhada que dei.
Que me tens acompanhado ao longo da minha vida,
Mostrando-me que desistir não é opção,
Que a tudo vale a pena
Dispensar um pouco do nosso coração.
A ti, Mãe,
Que sei que me amas sem reservas
E que, carinhosamente, conservas
Recordações da minha meninice
De que não me consigo lembrar,
Mas que não deixas morrer.
A ti, Mãe,
Que estiveste e estarás sempre ao meu lado
Eu te digo hoje “obrigado,
Nunca deixarei de te amar.”

Wednesday, November 16, 2005




















Pesa o silêncio sobre os ouvidos, pois vago e distante soa o suave sibilar do vento. Imersa na escuridão, há muito que fito o tecto, na esperança de tranquilamente adormecer. Mas vai o sono tardando, escondendo.se em cada imagem que revejo, em cada palavra que recordo, em cada afecto que retenho. De aleatórios e desconexos a simbólicas cadeias celeradamente passaram, introduzindo a dúvida de espontâneos terem sido ou masoquista e consciente vontade de recordar.

É tarde, devia dormir.

Qual enredo de má qualidade, sujeito a um péssimo realizador, se desenrolam as imagéticas memórias. E os espaços, qual cone invertido, cada vez mais desprovidos de cor, alegria e calor se apresentam, imperando a cinzenta angústia da latente tristeza.

Fere o que deveria ser esquecido, dilacera o que nunca deveria ter sido presenciado, simplesmente magoa a lembrança... Quero dormir.


Estou só, vagueando numa rua deserta: uma calçada sem fim, por altos prédios ladeada, sem qualquer iluminação. Está escuro, e arrefece. Apercebo.me de que tremo consideravelmente ao encolher.me para me manter quente. Vários olhares parecem fixar.se nas minhas costas, pertencentes a seres sem rosto que enchem agora a rua: vultos escuros com ar apressado, murmurando imperceptíveis, estranhamente reminiscentes, palavras. Saber se avanço, se recuo, se me afasto ou aproximo, não consigo.

Puro cinismo, disfarçada curiosidade ou verdadeira indiferença… Onde estou?

Apesar de apinhada a rua, vislumbro um pouco de cor, alguém familiar, e corro ao seu encontro. Toco.lhe, incessantemente e em vão, o ombro, e, do mesmo modo que o vislumbrei, o perco de vista. Paro, e volto.me para trás. No meio da multidão, erraticamente como todos os outros, vindo na minha direcção, o mesmo que me ignorara. E que o volta fazer. Uma e outra vez, a mesma e outras pessoas, cada vez mais frequentemente.

Porquê?

Corro de um lado para o outro, não me importando já com quem atropelo, querendo, ansiando apenas que alguém me devolva o olhar e me não trate como se me não visse, como se as minhas mãos não sentisse. Quero falar, quero chamá.los, mas nenhum som emitir consigo, como nada consigo ouvir. Ardem.me os olhos, sei que choro. Embora todas as razões procure, nada continuo a perceber. Vejo agora apenas conhecidos e amigos, para quem nem miragem pareço ser. Angústia. Solidão. Medo. Pânico. Nulidade. Todas as palavras reprimidas se acumulam num só grito, que por não poder sair se auto-reprime. Sufoco. Em meu redor, apenas desfocados fragmentos vejo, onde, ironicamente, se voltam e aproximam de mim os rostos que me ignoravam. E tudo fica mais turvo à medida que choro e por socorro tento gritar, e mais à minha volta se adensa a multidão… Até que, por uma última vez, inspiro.

Ergo.me sobressaltada na cama, com as mãos em volta da garganta. E ouço dissolver.se o grito por entre a tranquilizante chuva que na escuridão abundantemente cai.