Friday, March 06, 2009


















Não interessa que lá fora buzinem carros, praguejem condutores, gritem peões irritados, toquem às campainhas, passe um eléctrico, se percam as caras na multidão apressada: A música é a mesma de há muitas horas atrás, repetida até à exaustão sem saber não ser ouvida, sobressai o edredão escuro num quarto demasiado arrumado, estão duas plantas tímidas sobre a estante e um livro aberto no tapete, é dia de alimentar os peixes de alguém que foi embora e quis esquecer; parece que esses não lembram ou, se lembram, não sentem; como o gato do outro, autor de lombadas envelhecidas nesse quarto, notar o plural; poder-se-iam mesmo referir coisas banais, como almofadas e candeeiros, incenso e seus queimadores, mini-jardins mais d'oriente e porcelanas de algures no meio, parece ter sido há tanto tempo voltar e ter de arranjar novas molduras, para agora se empilharem em caixas no roupeiro, histórias simples e acarinhadas contadas desorganizadas a meias com algum pó. Apenas uma escapou ao destino, está na terceira gaveta da mesinha da esquerda, mas poder-se-á chamar-lhe moldura se um simples pedaço de vidro e uma base de cartão... e é assim que de repente o mundo pára um pouco mais ainda, porque a fotografia é uma besta e faz sonhar fora d'horas e tu não estás. Por isso está ali, fechada e tão perto, ah, frustração, um dia, um dia vou perder a vergonha e dizer-te que gosto de ti, e deixar o mundo andar… e é assim que ele gira e recomeça, cinzento teimoso acabrunhado, vou tomar banho que já estou atrasada.

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