Tuesday, April 07, 2009


























Amaina a tempestade, e o mal acalma: cessando o vento, recolhem-se as vagas. A noite, essa, desce de mansinho, escondida pelas nuvens que se vão desfazendo e ocasionalmente desmentida pelos últimos clarões das descargas. Reina um silêncio de murmúrios, próprios desse longínquo pedaço de oceano sem lar. Povoam a superfície do gigante os seus reflexos: halos perdidos no azul salgado, as estrelas embalam e tudo dorme.
Numa qualquer praia, contudo, alguém solta as amarras a seu barco e o empurra sem esforço pela espuma dos baixios. Chapinham céleres os pés que logo saltam para dentro, o momento suficiente para tornar o passadio cada vez mais pequeno. Vela branca desfraldada, buscando a suave brisa que em breve deixará de o ser, caem nela as primeiras gotas de uma chuva que não será de novo violenta. Inalando o ozono que regressa e o iodo que lhe é familiar, é de costas firmes que tranca o leme mas trémulo quando a ele se encosta: cedendo ao cansaço dos dias e ao torpor que entretanto se instalara, desliza pesado: cai e adormece no convés sem qualquer graça.
Da janela da frente da última casa do promontório, enrosca-se num xaile de gerações a mãe da próxima, acordou angustiada e sabe agora porquê. Funde-se com o horizonte o mastro da embarcação que ajudou a pintar: foi depois de lhe pararem as regras e antes dos grandes enjoos, afirmam as viúvas que será rapaz porque está muito redonda e de pele bonita: talvez saia ao pai se nascer pelo solstício como previsto. Tocando o inchaço e sentindo a criança, endurecem-lhe as feições como aos velhos quando falam dos negócios: esta mulher já não é a mesma, comentarão dentro de alguns anos agradados como o seu filho não sabe o que é desistir. Ajeita resoluta o agasalho e volta para o quarto: está enterrado o marido, o amanhã depende dela.

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